terça-feira, 26 de maio de 2009

Classe Executiva – A uma cortina do paraíso


Puxei minha mochila de rodinhas através do corredor do avião. Destino: 25b. Passando por uma cortina, de cara fui surpreendido com a grandeza da aeronave, de corredores enormes, poltronas bem largas, espaço generoso para esticar as pernas e uma tela de LCD em cada assento. Fui acompanhando os números acima das poltronas. Atravessei uma segunda cortina e então a realidade resolveu se apresentar. Uma multidão de cabeças surgiu a minha frente, acompanhadas por certo alvoroço e uma quentura pouco peculiar àquele tipo de ambiente. Ainda surpreso com a sofisticação da primeira classe e totalmente incrédulo quanto ao local marcado como 25b, sentei, ladeado por um rapaz e uma senhora.

Esqueci por um momento que estava seguindo para Londres. Aquilo não podia ser um Vôo pelo qual se paga tão caro. Para começar o passageiro não senta, se encaixa. Depois de encaixado o melhor é não tentar levantar mais, sobretudo se você tiver o revés de ser sorteado para as poltronas que ficam entre o passageiro da janela e o do corredor. O apoio do braço era de quem colocasse o seu lá primeiro. O calor estava insuportável e não havia regulagem para saída de ar. Para completar, as poucas aeromoças (já que a maior parte deveria estar dando atendimento personalizado à primeira classe) estavam muito ocupadas com os procedimentos de partida e com as inúmeras solicitações das centenas de passageiros, que foi impossível conseguir a atenção de alguma naquele momento. Comecei a suar. Senti uma inquietação, uma arrelia, que foi se transformando em coceira e evoluiu para uma agonia claustrofóbica. Comentei com o passageiro do lado, quase que pedindo socorro, acerca do calor e ele respondeu, com um arranhado portunhol, que aquilo era normal e que logo que o avião decolasse a temperatura ficaria agradável.

Vários minutos se passaram desde que havia me tornado aquele passageiro em agonia. Nesse ínterim, vi inúmeras pessoas entrando e saindo do avião. Foram quase 50 minutos em solo, que só potencializaram o meu sentimento de desconforto e indignação ao ver que a correria para o embarque tinha sido um desgaste pouco útil.

Fora os procedimentos pré-decolagem, comuns aos vôos domésticos, duas coisas para mim pareceram novas. Primeiro, a aeromoça entregou, para cada passageiro, um lencinho úmido para passar nas mãos, recolhendo-os e seguida. Pouco depois, os comissários apareceram nos corredores, espalhando um spray, de fumaça incolor e de cheiro pouco agradável, em todo o avião. Tudo indica que era algum produto para neutralizar microorganismos em suspensão. Não era de surpreender que, depois das alarmantes notícias acerca da gripe suína, a companhia aérea estivesse adotando tais procedimentos. Mas foi uma situação, no mínimo, inusitada, embora dentro aquele avião, que ia passar alguns milhares de milhas longe do México, fosse possível ver uma meia dúzia de passageiros os quais, sem demonstrar constrangimento algum, completavam sua indumentária com uma máscara branca nada fashion.

Às 23h45min, pontualmente, decolamos. Aproveitei para explorar as opções disponíveis na minha tela individual de LCD, único luxo que lembrava a primeira classe. Dentre os diversos canais, havia o de filmes, com lançamentos recentes. Era possível escolher o gênero. Deu para assistir uma parte de Quem quer ser um milionário. Também havia canais de músicas para todos os gostos, filmes e séries infantis, documentários, jogos, informações sobre o vôo etc. Enfim, não dava para reclamar de tédio. Fiquei um bom tempo num canal que mostrava as imagens externas do avião; vinham de uma câmera que estava no bico do avião e de outra, posicionada embaixo e direcionada para o solo. Achei o máximo poder ter a visão do piloto durante a decolagem. Fiquei ali, com meu novo brinquedo, até que o cansaço e o sono me venceram; e adormeci durante boa parte da viagem.

Em quase 10 horas de vôo dava tempo para fazer muita coisa, além de dormir, comer e ver filmes. Em um momento, puxei conversa com meus vizinhos. Pela proximidade física que estávamos, seria rude dividir o mesmo apoio de braço e não trocar algum “prá onde você vai”. À janela, Alessandro, uruguaio que vivia na Inglaterra. Sujeito simpático. Falava um pouco de português. Estava vindo do Uruguai onde visitou sua família. Ia para Manchester, onde era proprietário de um restaurante. Com orgulho mostrou-me uma foto dele com o jogador Cristiano Ronaldo que, segundo ele, costumava freqüentar seu restaurante. Combinei de ir a Manchester, a seu convite. Trocamos endereços e telefones.

No assento á direita, a jovem senhora não deixou muito espaço para conversas. Parecia ansiosa e irrequieta. Entre um filme e outro, que ela assistia compulsivamente, contou-me que estava indo estudar inglês nas terras da Rainha e que era a primeira vez que viajava para fora do país. O curioso sobre ela eram as altissonantes gargalhadas que ela dava enquanto assistia uma comédia. Com o fone no ouvido, parecia viajar na estória, sem se dar conta do seu ruidoso mico.

Após cruzar o Atlântico, sobrevoar terras portuguesas e francesas, atravessar turbulências, dormir um pouco, comer três vezes, assistir qualquer coisa, ir ao banheiro uma vez, suar a metade do vôo, conversar e sofre bastante, cheguei a Londres.

Londres era um detalhe. Chegar foi o importante.

Próximo post: A via-crúcis da imigração nas terras da Vossa Alteza.

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